Resoluções de fim de ano
O ano está chegando ao fim e sinto que está todo mundo esperando 2023 começar logo. Decidi virar o tempo de ponta cabeça (como esse caderninho que fica sempre ao meu lado, na mesa de trabalho) limpando minha lista de resoluções de 2023. Venho tentando lidar melhor com prazos e, sobretudo, com o tempo. Acho que só depois de 2020 eu comecei a buscar soluções mais conscientes sobre isso. Um dos aprendizados — em curso — é o conceito de suficiência. Eu estou sempre atrasada porque não calculo bem o suficiente para fazer tudo que quero, ou porque vejo que o tempo não é suficiente para fazer tudo que quero.
Nesta toada, pretendo começar o novo ano com um mínimo de pendências possível. Não vou resolver tudo até dezembro. É difícil aceitar que não vou nunca “resolver tudo". Desde 2020, quando deixei meu último emprego, passo muito tempo em casa, de onde trabalho, leio, às vezes me exercito, de onde às vezes saio quando me dá vontade. Na marra, isso tem me ajudado a entender que a lista de tarefas nunca acaba. Todo dia, assim que limpo a caixa de areia dos meus gatos (geralmente a última das minhas tarefas matinais), eles vão lá fazer as necessidades. Ainda que gato seja obcecado com limpeza, mesmo enterrando cocô e xixi, eles espalham areia fora da caixinha, BEM onde eu tinha acabado de aspirar. Parece um recado: você não vai conseguir deixar isso limpo.
Assim, todo dia, me dou um prazo e um parâmetro de suficiência. Não sei quanto caminhei nesse exercício, mas vou começar 2023 mais consciente disso. Publicar aqui meus pensamentos e experimentos é o maior exercício que tenho feito de “está bom o suficiente”. Cansei de ficar procurando ideias “boas o suficiente” que mereçam ser contadas. Comecei a fazer anotações e contar o que me dava vontade naquele momento. Não estou falando que me tornei imediatista. Eu escrevo, depois penso e avalio se está bom. Ai volto para revisar os textos e esse é um dos melhores exercícios para a escrita: deixar o texto dormir, como falei aqui. Mas é preciso me dar um prazo, um deadline, já que não tenho mais editor, nem chefe, e nem o prazo do fechamento do jornal para um corte objetivo.
O texto abaixo é inspirado numa mulher que cruzei duas vezes na vida. Algo nela me chamou tanta atenção que voltei para casa, depois do nosso primeiro encontro, e escrevi. Pensei que fosse seguir escrevendo sobre Lúcia (um nome escolhido por mim), mas nunca mais saiu. Nunca virou um conto, um romance. Essa foi a história que escrevi a partir de dois encontros com Lúcia:
Lúcia, uma pedra solitária
Para arrumar uma desculpa para não sair da cama, Lúcia se transformou em pedra.
sola
solta
solita
solitária
Pedra não come, pedra não sente.Como pedra, desistiu de tentar agradar. Ficava ali e pronto.
Entrava gente, saia, pedra não sai do lugar sozinha.
Pedras podem ser livres: os formatos arredondados são permitidos, as cores mais diversas também são aceitas, só incomoda mesmo se no sapato, no meio do caminho.
Em cima de uma cama que ninguém mais usa não incomoda muita gente.
Uma pedra, solita.Sola
Só uma pedra.
Ser pedra diminuía sua dor. E olha que ali tinha muita, mas nada de dor física não.Sua saúde é de ferro, parabéns.
Parabéns por que?
Por que?
Por que?
Por que?
À merda com os parabéns, por acaso alguém que está doente merece ainda ser criticado pelo mal-estar de saúde?
Lúcia entrava num consultório médico como quem espera pela reunião de pais do colégio.
- Sua filha se portou muito bem, parabéns.
Não foi para isso que ela entrou lá, queria que alguém explicasse que diabos aquela dor de ser gente fazia dentro dela.
Saiu mais dolorida, ficou irritada, mal disse o mundo, desejou ser pluma.
Não deu, virou pedra mesmo, dessas bem cinzentas, maciças, disformes, ainda sim tinha a leveza de um corpo que há muito não via sabor na comida.
Pedra não pinta cabelo, pedra nem sai mais de casa.
Mas às vezes tinha seus momentos de árvore e passava 3 horas na janela.
Já não queria mais descer. Quando se mudou para aquela esquina movimentada, 30 anos antes, o que mais gostava era de gente, por isso quis morar ali.
Como nem árvore e nem pedra falam, ficava da janela observando o que estava embaixo dela, pegando um pouco de sol.
Lúcia era uma pedra, ela foi ensinada a ser uma pedra.
Toda vez que entrava em casa, José via aquela pedra.
Ninguém precisa amar uma pedra, ninguém atende às vontades de uma pedra.
Pedra lá tem direito de ter vontade? Pedra não fala.
Coisas para ler/ouvir
O podcast De Todas las Flores, de Natalia Lafourcade - ela conta como criou um disco a partir da angústia de sentir que não tinha músicas o suficiente para um novo álbum
A rolagem infinita, por Vanessa Guedes - afinal, quando vimos o suficiente que a internet tem para nos oferecer? Aliás, ela também fala do Bullet Journal, método que tem me ajudado a fazer menos listas melhores.
A independência é suficiente? Por Bárbara Bom Angelo
Nos vemos em quinze dias. Mas, até lá, me contem o que vocês tem achado?
Talita